quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Não é só em filmes

Já passaram 17 anos, foi precisamente no dia em que vi pela primeira vez a luz do dia, que vim ao mundo, (embora que não desejada), que lhe passou uma trombose, estou a falar da minha avó paterna, poucas ou nenhumas memórias tenho dela,  para ser mais sincera, não a julgo , uma vez que ela desde esse acontecimento que se tornou numa pessoa dependente e como tal era incapaz de me procurar tanto a mim como o meu irmão, vivemos "afastadas" e sempre que o meu pai ia visitá-la nós íamos sempre.
O meu pai ainda teima na ideia que foi na azafama de me irem visitar ao hospital que lhe sucedeu isso. Não me sinto culpada. Acho que se as coisas ocorrem  porque assim tem de ser e como tal existem coisas imprevisíveis. 
 Talvez, o destino assim o quis, sim, eu sei, vão dizer-me: sempre disseste que não acreditas no destino e sempre afirmaste a pés juntos que cada um traço o seu caminho. Sim, é verdade essa teoria, acredito nela. Porém, tenho que realçar que por vezes somos alvos de acontecimentos que não nos dirigem directamente respeito, mas que somos envolvidos. Estou a falar da separação dos meus pais que acabou por me afastar da família paterna e desse modo houve uma inexistência de sentimentos e afectos. Nunca soube o que era dar um passeio com ela, sorrir ao seu lado de mão dada, nada de nada, sempre ouvi dizer que os nossos avós acabam por gostar ainda mais de nós, uma vez que somos o fruto do seu fruto.
            Desde 9 de Abril de 1993, a vida dela mudou e das suas filhas, que ficaram sem ter vida própria, (o que lhes vale é os maridos fantásticos), uma vez que eram 5 filhos e só as raparigas estão a tomar conta dela. Estou a afirmar esta realidade de uma forma feminista, mas é a mesmo o que se passou. É um pouco duro dizer isto, mas é o que sinto, não sinto um carinho especial por ela nem pouco mais ou menos, não esteve presente nos dias em que as nuvens taparam o meu sol , não foi no ombro dela que chorei as primeiras dores que os obstáculos da vida me trouxe, porém, é do meu sangue e acima de tudo é uma pessoa.
     Há uns dias atrás, soube que teve que ir de urgência para o hospital de Évora. Odeio o cheiro hospital, odeio todo aquele cenário envolvente, ver pessoas que apenas dependem da medicina, que já não basta o carinho que sentimos por elas para combater doenças incuráveis, o que tem que acontecer, acontece. Mas magoa sempre saber que as pessoas idosas , tornam a viver numa dependência tão profunda, como de um bebé se tratassem. Na verdade, acabam por se tornar, porém não é isso o pior, mas sim o facto de a pessoa ser colocada num lar, como de um lixo descartável se tratasse. É cruel e repugnante essa atitude.Mas com ela, não sucedeu isso, felizmente. Se os pais tratam de nós e abdicam de certas e determinadas coisas, porque não fazer o mesmo com eles? O tempo passa e passa por todos nós, mais cedo ou mais tarde, precisamos de alguém, mais que não seja, para não vivermos num mundo solitário.
    A situação dela agravou-se. Desta vez, ainda foi pior que todos estes anos. Sempre tinha vivido num impasse, precisava de ajuda mas reconhecia as pessoas e ali estava no seu cantinho. Há uns valentes meses, perdeu o andar. e agora? agora, bem.. nunca pensei ver aquela situação com os meus próprios olhos. Passou-lhe outra trombose, porém desta vez retirou-lhe as capacidades fulcrais, não vê, não fala , não ouve e apanhou-lhe ainda o cérebro. Oh meus Deus, para que sofrer assim? Sou a favor da eutanásia ,agora mais que nunca. Ser alimentada por uns tubos e estar numa cama à espera da morte? Trata-se apenas de um coração que bate, bate , mas está imune ao resto do mundo, já não vive na nossa realidade. Pela primeira vez, vi o meu pai chorar, saiu daquele quarto, com os olhos bem pequenos e o rosto encarnado, saiu a soluçar e as lágrimas escorreram-lhe pela face. Lavou o rosto e disse: é a lei da vida, isto é uma lição, meus filhos! (ele já está preparado para o "pior", disse mesmo que quer que o sofrimento da sua progenitora termine). Não reagi. Não o abracei. Talvez, o devia ter feito, mas naquele momento os pensamentos bloquearam e só pensava na situação que observava, constrangedora, dolorosa. Ela ainda está aqui entre nós, mas até quando vai durar este sofrimento? Aprendi que tenho que valorizar mais a minha vida e que nós não somos nada, dependemos uns dos outros. Há quem leve a vida demasiado com coisas supérfluas, discussões inúteis , não demonstre o que realmente sente e não dê importância ao que realmente existe de bom na vida. É nestes momentos que se faz uma reflexão sem querer no nosso interior.
    As histórias trágicas não acontecem só em filmes, se existem filmes verídicos, é por algum motivo. São baseados na vida real e nunca podemos alimentar a ideia que é só os outros que sucede os acontecimentos que mais tememos. 

3 comentários:

Anônimo disse...

Está comovente este texto, e compreendo perfeitamente o teu ponto de vista e nao sensuro de modo algum quando dizes que hoje mais do que nunca és a favor da eutanasia, porém nao posso deixar de referir o meu ponto de vista nesse aspecto. Uns podem opinar que ainda tenho uma mentalidade retrogada, mas nao creio que seja isso, mas talvez tenha a ver com a minha educação e as minhas crenças. Sempre tive uma educação religiosa, e creio firmemente que existe algo superior a nós la em cima que nos deu o direito a vida, e que portanto só Ele tem o direito tambem de nos tirar essa vida. Penso, que nem nós proprios temos o direito de retirar aquilo que nos foi dado, o nosso bem mais precioso, a vida! Mas compreendo perfeitamente o teu ponto de vista. Esta cruz que a tua avó carrega, é impressionante e comovente. Penso que agora tambem seria boa altura para estares um pouco mais perto da tua familia paterna, e principalmente do teu pai que seguramente necessita do teu apoio neste momento delicado. Adorei o texto, um beijinho Francisco Rodrigues

Helena disse...

Que texto tão forte e tocante minha querida. Abriste o teu coração de uma forma fantástica e isso é de muito valor, acredita.
Dói tanto ver pessoas tão próximas de nós numa situação tão dolorosa quanto essa :'(
Muita força para ti e se precisares de algo, estou aqui *

Eugénio Direitinho disse...

Pois é prima disse-te e volto a dizer, escreves muito bem e esta parte dedicada a nossa avó muito bom mesmo, adorei!!
Tenho pena que não tivesses tanta convivência com ela, era uma pessoa muito boa, um bocadinho teimosa e até a uns tempos atrás continuava a ser, coitada como se costuma dizer (Pau que nasce torto tarde ou nunca se endireita.)mas pronto, nós tambem temos os nossos defeitos!!
E o avó zé era demais, era um homem que com a idade que tinha, tinha uma genica e lá está teimoso tambem mas um grande HOMEM!!!
Obrigado pelo carinho que partilhas-te nestas palavras!!
Beijos!!!